postado por M.Américo
BOLHA IMOBILIÁRIA À BRASILEIRA MISTURA PREÇO ALTO E CRÉDITO LIMITADO
Um
varejista, em São Paulo, recebeu, no primeiro semestre deste ano, uma
oferta pela sua loja num dos shoppings mais badalados da capital
paulista. Desfazer-se de seu ponto de venda não estava em seus planos,
mas decidiu ouvir a proposta. Quando soube que o interessado estava
disposto a pagar 1.700.000 reais (741.936 dólares), respirou fundo para
não revelar sua surpresa. Fechou negócio na hora. “Custava, no máximo,
800.000 reais (cerca de 350.000 dólares)”, comenta o empresário, que
investiu os recursos no sistema financeiro.
Em
Perdizes, na Zona Oeste da cidade, um apartamento de 50 metros
quadrados está sendo vendido por 420.000 reais (183.302 dólares). Em
outro edifício, a 30 passos dali, um apartamento de 120 metros quadrados
foi vendido por 330.000 reais (144.023 dólares) há cinco anos. Hoje,
esse mesmo imóvel vale 900.000 reais (392.790 dólares). Casos como esses
se repetem nas grandes cidades brasileiras, formando uma espécie de
bolha à brasileira. Preços que não têm um parâmetro matemático para que
sejam calculados, e que deixam entrever que alguma coisa pode estar
errada.
A
primeira coisa que vem à mente são as bolhas imobiliárias que
estouraram na Europa e nos Estados Unidos, em 2008, e que arrastaram o
mundo para uma crise financeira sem precedentes. Mas a bolha no Brasil
se diferencia por ser uma bolha de preços, e não de crédito, como foi no
Exterior.
Hoje, na relação entre endividamento e tipo de crédito tomado, o imobiliário responde por pouco mais de 20%
Os
norte-americanos foram vítimas de uma enxurrada de crédito, com
financiamentos considerados de alto risco. E, no mercado financeiro,
houve a comercialização dos títulos hipotecários que acabariam se
revelando podres, ampliando a extensão do problema. No Brasil, porém, a
proporção do crédito imobiliário sobre o Produto Interno Bruto (PIB)
chegava a apenas 7,9% em agosto. Em 2012, era de 6,8%. Para efeito de
comparação, os EUA em 2011 registraram uma proporção de 76,1% do PIB, e o
Reino Unido mais de 80% do PIB, no mesmo ano.
O
sistema financeiro no Brasil, com um passado de tragédias gregas até os
anos 1990, quando a inflação imperava, tornou-se mais cauteloso na
concessão de recursos, e no caso do crédito imobiliário, ainda mais
rigoroso. Em 1997, entrou em vigor a alienação fiduciária para imóveis -
os bancos podem tomar o imóvel que está sendo financiado, caso o
comprador não pague algumas parcelas. Além disso, só são concedidos
empréstimos a quem comprovar que a prestação não comprometerá mais que
30% da sua renda. Hoje, na relação entre endividamento e tipo de crédito
tomado, o imobiliário responde por pouco mais de 20%.
A
expansão acelerada do mercado imobiliário, no entanto, alimentou um
quadro de desordem na formação de preços. O aumento da concessão de
crédito, com a estabilidade da moeda, coincidiu com os programas de
habitação do governo, como o Minha Casa Minha Vida, voltado às pessoas
menos favorecidas. Os preços dos insumos de construção civil subiram, ao
mesmo tempo em que o custo dos terrenos foram às alturas.
Segundo
o índice FipeZAP, que monitora os preços de venda e aluguel anunciados
dos imóveis, os valores de venda subiram 230% no Rio de Janeiro desde
2008. E, em São Paulo, 188% no mesmo período de comparação, que termina
em outubro deste ano. Um apartamento nessas cidades pode chegar a custar
até 60% mais caro que em Miami, de acordo com levantamento da
imobiliária Elite International Realty em setembro. “Os preços passaram
dos limites”, resume o professor da Escola de Economia da Fundação
Getulio Vargas (FGV) Samy Dana. “Para uma bolha se formar, é necessário
que nem todos acreditem na formação dela, senão ninguém compraria (os
imóveis)”, completa. O economista diz que uma das bases da bolha é
a “teoria do tolo maior”, que consiste em alguém que paga caro por uma
casa ou apartamento, por medo de que o valor aumente no futuro.
O
assunto conseguiu chamar a atenção até de um dos ganhadores do Nobel de
Economia deste ano. Em visita ao Brasil, no fim de agosto, o
norte-americano Robert Shiller alertou para a possibilidade da formação
de uma bolha. “O que aconteceu de tão dramático para os preços subirem
assim, nos últimos cinco anos? A inflação não foi muito menor? Os preços
caíram 25% em Los Angeles e Nova York no mesmo período. E por que os
preços no Brasil foram para cima ininterruptamente?”, disse ele, segundo
o portal brasileiro Infomoney.
“Eu
não posso cravar que exista uma bolha no Brasil porque não conheço a
fundo as características do mercado local. Mas comparando os dados
brasileiros com os de outros países, posso dizer que a alta sugere
cautela”, alertou. Shiller, considerado um dos gurus da bolha
imobiliária dos EUA, lembrou que os preços dos imóveis no Japão tiveram o
mesmo movimento na década de 1980 e depois, no início dos 1990,
começaram a cair sem parar e perderam dois terços do valor até agora.
As
empresas do setor admitem essas oscilações nas ofertas, mas argumentam
que não há riscos de contaminar a economia. “Confunde-se muito a questão
da bolha com a do aumento de preço. O nosso sistema de crédito
imobiliário segue saudável”, afirma o diretor-executivo e
economista-chefe do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP),
Celso Petrucci, que destaca que os bancos brasileiros são conservadores
em suas concessões. Ele lembra, ainda, que houve um déficit no setor de
construção por duas décadas. “Temos nos preocupado com preços, bolha,
mas nos esquecemos que ficamos de 1985 a 2005 sem que a nossa juventude
tivesse a possibilidade de adquirir o seu imóvel”, diz Petrucci. “Hoje,
74% dos financiamentos são para aquisição do primeiro imóvel”,
acrescenta. Dana, entretanto, não relativiza o quadro. “A bolha de
preços é mais nítida de perceber do que a de crédito. As pessoas dizerem
que não há bolha não quer dizer que não tenha”.
O aumento dos preços já é tema de debates acalorados nas redes sociais e impulsiona a criação de blogs e sites
Essa
percepção não é exclusiva do economista. O aumento exagerado dos preços
já é tema de debates acalorados nas redes sociais e impulsiona a
criação de blogs e sites, contestando as ofertas do mercado. O criador
do Bolha Imobiliária.com, um profissional de tecnologia que prefere não
se identificar, conta que teve a ideia de criar o site em 2010, quando,
afirma, viu preços de imóveis subirem 50% em pouco mais de um ano. “O
blog começou a reunir diversas pessoas com a mesma linha de pensamento,
que achavam que havia algo de muito errado no mercado.” Segundo ele, a
audiência do portal chega a 8.000 leitores diários, com picos de 10.000.
O
blog Tem Algo Errado ou Estamos Ricos? faz, por sua vez, comparações
diretas entre os valores de apartamentos no Brasil e no exterior.
Tomando anúncios como base, avalia preços similares praticados em
localidades como Rio de Janeiro e Sevilha, Paris e Curitiba, Nova York e
Belo Horizonte, e Las Vegas e Itabirito, no interior de Minas Gerais
(sudeste). “A ideia do blog foi apenas mostrar para alguns amigos e
pessoas próximas os absurdos do mercado imobiliário brasileiro”, afirma o
desenvolvedor em um dos posts.
Em
um dos exemplos citados, o blog apresenta um apartamento de de 3
quartos e 147 metros quadrados, em Chicago, nos Estados Unidos, por
55.100 dólares. Pelo mesmo valor, havia uma oferta de um apartamento de
um quarto, com 35 metros quadrados, no bairro do Tatuapé, na Zona Leste
de São Paulo.
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