O PANORAMA VISTO DA SERRA

domingo, 2 de junho de 2013

SENSACIONAL "É POSSÍVEL IDENTIFICAR UM BILIONÁRIO?"

Por · 21/05/2013 ·
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Um estudante canadense confessou-me certa vez que ficava confuso e ressentido quando algum de seus amigos se mudava para os EUA. Eu perguntei a ele porque se sentia assim. Ele me respondeu que nunca conseguiria viver em um país com um Coeficiente de Gini tão alto.
O Coeficiente de Gini é a média de desigualdade de renda. Quanto maior é o Coeficiente de Gini de um país, maior é a disparidade de renda registrada nesse país. Ele não diz nada sobre o bem-estar material absoluto das pessoas, ou sobre a mobilidade entre os diferentes grupos de renda. É apenas uma amostragem superficial da renda obtida pelas pessoas no momento do estudo.
Recentemente, participei de um seminário que me trouxe de volta a lembrança daquele estudante canadense. E passei a repensar a relevância da informação que ele havia me dado
Neste seminário, um estudante graduado da George Mason University apresentou sua pesquisa sobre o desenvolvimento econômico das Filipinas. Na platéia estavam professores e estudantes universitários, e um genuíno bilionário americano. Em certo ponto da apresentação do estudante, me dei conta de que se não tivesse sido previamente informado de que aquele bilionário (vamos chamá-lo de Sr. Bucks) era, de fato, um bilionário, eu sequer desconfiaria que uma pessoa dona de tamanha fortuna estivesse sentada naquela sala junto comigo.
Não é que o Sr. Bucks estivesse mal-vestido ou despenteado. Pelo contrário, ele vestia um belo terno e usava um relógio de grife (e tinha um belo corte de cabelo). A razão pela qual ele não era facilmente distinguível do resto do grupo não tinha nada a ver com sua aparência, mas com a aparência das cerca de 25 pessoas presentes naquela sala. Todos estavam bem vestidos e “embecados” como o Sr. Bucks.
O estudante que fazia a apresentação, por exemplo: seu terno, relógio e penteado também estavam elegantes. De fato, apenas olhando para o que vestiam os dois homens, era impossível enxergar qualquer diferença entre eles.
É muito provável que o Sr. Bucks tenha pago muito mais por seu terno, seus acessórios e toda a composição de seu figurino do que o estudante, mas esses custos eram praticamente invisíveis a olho nu. Uma das maneiras de detectar essa diferença no poder aquisitivo de ambos poderia ser, por exemplo, sentindo o tecido de seus ternos e fazendo posteriormente uma comparação de qualidade. O terno do Sr. Bucks teria certamente parecido mais “fino”.
Outra forma de detectar a riqueza ou as diferentes faixas de renda seria usando um conhecimento um tanto abstrato. Por exemplo, se eu tivesse examinado o relógio do Sr. Bucks mais de perto, é provável que eu tivesse descoberto um Patek Philippe ou um Rolex. O estudante, por sua vez, provavelmente estaria usando um Timex ou um Swatch. No entanto, a única razão pela qual a Patek Philippe e a Timex fornecem informação acerca do valor desses produtos, é que nós sabemos, principalmente pela publicidade em torno das duas marcas, que um relógio da Patek Philippe é muito mais caro que um da Timex. Um visitante de Marte não seria capaz de inferir essas informações a partir apenas dos nomes gravados nos relógios; ele simplesmente notaria que ambos marcam a hora com a mesma eficiência.
Uma amostra de conhecimento ainda mais abstrato poderia ter sido produzida caso eu convencesse algum dos estudantes a fazer uma rápida pesquisa usando o Coeficiente de Gini referente a cada um dos participantes daquele seminário. Teria sido um grande feito. A constatação a partir da leitura dos coeficientes calculados teria então revelado (a todos que conhecem o Coeficiente de Gini) que entre as pessoas presentes no seminário havia uma desigualdade de renda bastante considerável.
Mas, novamente, nenhuma das diferenças reais de renda entre aquelas pessoas era visível naquele momento.
Agora, contraste esse fato com a vida em países em que o capitalismo está menos difundido. Enquanto eu sentava junto ao Sr. Bucks e aos outros presentes, o estudante que apresentava sua pesquisa mostrou fotos que tirou nas Filipinas. Uma figura mostrava alguns barracos construídos literalmente sobre montanhas de lixo. As outras fotos eram dos moradores desses barracos, posando ao lado de outros filipinos com condições de vida um pouco melhores.
Vastas diferenças
As diferenças de riqueza separando os moradores de montanhas de lixo de seus conterrâneos um pouco mais ricos eram evidentes. Esses filipinos mais pobres vestiam roupas que, em uma rápida olhada, já denunciavam uma clara inferioridade com relação às roupas usadas pelos filipinos de maior renda, embora estes ainda fossem bastante modestos.
É importante ressaltar que mesmo os filipinos que gozavam de condições de vida um pouco melhores vestiam roupas muito mais baratas do que as usadas por uma das pessoas mais ricas do país, Imelda Marcos.
Durante a passagem pelas Filipinas, nosso estudante encontrou a Sra. Marcos e até tirou uma foto com ela. O vestido que ela usava não teria chamado atenção em uma rua americana, mas era visivelmente superior aos que vestiam as outras mulheres filipinas mostradas nas fotos.
Foi ao notar este fato que lancei um olhar analítico sobre a sala em que estávamos e me dei conta de que as diferenças de riqueza que separavam o Sr. Bucks de qualquer um dos outros (e que separavam a nós, professores, dos alunos) eram invisíveis.
Este é um fato marcante sobre o capitalismo. Diferenças significativas de renda e riqueza certamente existem na sociedade capitalista. Mas as conseqüências dessa desigualdade nos reais padrões de vida são tão pequenas que chegam a ser invisíveis. No que diz respeito à maioria das características de nosso cotidiano — forma de vestir, higiene pessoal e acesso à saúde básica, como vacinas, correções visuais, analgésicos e primeiros socorros — , praticamente todos na sociedade capitalista são iguais. (Notei que o Sr. Bucks tomou duas aspirinas logo que o seminário começou. São as mesmas aspirinas que eu tomo quando tenho uma dor de cabeça.) As diferenças nos aspectos da vida diária que distinguem as pessoas segundo seus níveis de renda são minúsculas e quase inobserváveis.
Não quero me aprofundar muito nisso. Estou certo de que o Sr. Bucks tinha uma porção de casas, cada uma maior — e mais chamativa — do que o típico lar americano. Sei que ele dirige um automóvel muito melhor do que a maioria, e que bebe o vinho mais fino e come em restaurantes muito mais chiques que as pessoas comuns. E é claro que o Sr. Bucks não tem de se preocupar sobre como irá pagar suas contas se perder o emprego.
Isso não muda o fato de que na maior parte dos elementos básicos da vida a gigantesca maioria das pessoas é exatamente como o Sr. Bucks.
Se as disparidades entre a renda de um bilionário e a de um cidadão americano qualquer são praticamente invisíveis na maioria dos aspectos cotidianos de suas vidas, então ficar preocupado com o Coeficiente de Gini é superestimar inutilmente meras abstrações etéreas contra a realidade palpável.

* Publicado originalmente no OrdemLivre em 02/06/2009.

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