CLÁUDIA COLLUCCI
Na Folha de São Paulo
Um teste molecular feito a partir da saliva de pacientes que passaram por tratamento do câncer de cabeça e pescoço é capaz de prever a recidiva do tumor antes mesmo de surgirem os sinais clínicos.
O estudo que levou ao desenvolvimento do teste ganhou o Prêmio Octavio Frias de Oliveira na categoria Pesquisa em Oncologia. O trabalho reuniu a Universidade Federal de São Paulo, o A.C. Camargo Cancer Center e o Hospital do Câncer de Barretos.
A premiação, uma iniciativa do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), em parceria com o Grupo Folha, acontece hoje às 11h. A láurea leva o nome do publisher da Folha, morto em 2007.
Editoria de arte/Folhapress | ||
O trabalho vencedor revelou que uma molécula criada a partir de um fungo pode ajudar no combate ao câncer de bexiga e à tuberculose. O estudo foi feito pela rede de pesquisa Farmabrasilis em colaboração com a Unicamp e a Universidade Federal do ABC.
Na categoria Personalidade em Destaque, a vencedora é a médica Silvia Regina Brandalise, 70, por sua atuação no Centro Boldrini, unidade de tratamento do câncer infantil ligada à Unicamp.
Para cada categoria, a premiação é de R$ 16 mil. Representantes da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e das academias de medicina e de ciências integraram a comissão julgadora do prêmio.
Segundo Paulo Hoff, diretor do Icesp, apesar de o total de trabalhos inscritos ter caído em relação ao ano anterior (de 27 para 10), a qualidade melhorou: "Vivemos um momento de pujança da produção científica nacional. Queremos estimular mais a participação de pesquisadores de fora do Estado de São Paulo".
PESQUISAS VENCEDORAS
O câncer de cabeça e pescoço é um dos dez mais frequentes nos homens, mas o tratamento pouco evoluiu nas últimas décadas. A taxa de sobrevida é baixa: 50% em cinco anos. Parte disso é atribuída ao alto índice de recidiva do tumor, de 30% até dois anos após o tratamento.
Daí a importância do teste que detecta alterações celulares que vão levar ao desenvolvimento do tumor. "O olho molecular enxerga antes do olho clínico", diz o líder da pesquisa, o biólogo André Vettore, 43, da Unifesp.
Após tratar o câncer, o paciente é acompanhado de seis em seis meses. "O médico olha e não vê o tumor, mas as células tumorais podem já estar presentes." Segundo ele, pacientes com alterações no teste tiveram cinco vezes mais risco de ter recaída em relação aos sem alterações. O exame é experimental.
A pesquisa que venceu em inovação mostrou os mecanismos de ação da molécula P-MAPA. Testes com células humanas e roedores revelaram que ela ativa receptores na célula, capazes de auxiliar na redução do tumor.
Segundo o coordenador da pesquisa, Wagner José Fávaro, 33, do Instituto de Biologia da Unicamp, o ineditismo do trabalho foi mostrar que existe uma via comum para a doença infecciosa e o câncer: "A imunoterapia pode levar ao tratamento de ambas".
O efeito da P-MAPA foi comparado com o da vacina BCG, usada na prevenção da tuberculose e contra o câncer de bexiga. Nos ratos tratados com a BCG, houve redução de 20% a 30% do tumor. No grupo que recebeu a P-MAPA, a diminuição foi de 90% a 95%.
MÉDICA LIDEROU TRATAMENTO
Há três décadas à frente do Centro Infantil Boldrini, de Campinas (SP), a médica Silvia Regina Brandalise, laureada na categoria Personalidade em Destaque do Prêmio Octavio Frias de Oliveira, viu nesse período as chances de cura de alguns tipos de câncer da criança pular de menos de 5% para até 80%.
"O câncer sempre foi tema de adultos. A oportunidade de montar um hospital pediátrico foi importante para mudar o curso da doença."
Mas, para ela, ainda é preciso investir mais na capacitação dos profissionais de saúde para o diagnóstico precoce dos tumores infantis.
"O câncer da criança tem uma evolução muito mais rápida do que o do adulto. Mas responde rapidamente à quimioterapia. O diagnóstico precoce é fundamental para aumentar as chances de cura", afirma Silvia.
Desde 1978, a médica esteve na liderança dos principais protocolos que definiram os tratamentos da leucemia linfoide, o tipo de câncer infantil mais frequente.
Ela coordena o Serviço de Hematologia-Oncologia Pediátrica da Unicamp e já presidiu as sociedades brasileira e latino-americana da área.
Outro desafio, segundo a médica, é a compreensão dos fatores ambientais relacionados ao câncer, como o uso de pesticidas e hormônios.
"A exposição ao benzeno está associada à leucemia do lactente e a tumores cerebrais. O impacto é antes, durante e depois da gestação."
O Boldrini faz parte um projeto internacional que mapeia os fatores de risco para o câncer infantil. O centro vai acompanhar 100 mil crianças nascidas na região, desde o pré-natal até os 18 anos.
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