O ex-militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
Ilmo Ivo Braun, um catarinense de 64 anos, mal consegue caminhar. O pé
inchado não o deixa andar pela lavoura de milho, plantada em seu
pequeno lote de seis hectares, recebido a título de reforma agrária.
Ele mora sozinho, sem filhos, na casinha sem reboco, construída com os
R$ 15 mil recebidos do Instituto de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), há 11 anos.
Esse foi o único subsídio recebido desde que ele obteve a terra, depois
de passar um ano acampado numa barraca de lona à espera do tão sonhado
quinhão de terras. Sem apoio para plantar, Ilmo arrenda o lote para
grandes fazendeiros da região. Dinheiro que complementa os R$ 678 que
ganha de aposentadoria. O arrendamento é ilegal. Mas foi a alternativa
que encontrou para não cometer o mesmo crime de vizinhos, que aceitaram
a tentadora oferta de R$ 150 mil para vender a propriedade.
Veja também
— Lutei para ter este lote. Não vendo por nada. Seria pior se estivesse
na cidade. Já teria morrido de fome. Aqui tenho uns porquinhos e umas
galinhas. Vou morrer aqui — prevê Ilmo, um dos agricultores que
receberam lotes no Assentamento Itamarati, em Ponta Porã, no Mato
Grosso do Sul, na divisa com o Paraguai, como parte do maior projeto de
reforma agrária implantado no país.
Pequenos agricultores não têm crédito e assistência
Ilmo é um exemplo acabado de que a reforma agrária fracassou no local. O
governo gastou R$ 245 milhões para desapropriar a área de 50 mil
hectares da Fazenda Itamarati, que pertencia ao então “rei da soja”
Olacyr de Moraes. Com o empresário à beira da falência, o local foi
invadido pelos sem-terra em 2000 e lá foram assentadas pelo Incra a
partir de 2002 um total de 2.837 famílias ligadas ao MST, à CUT, à
Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) e à associação dos
ex-funcionários da propriedade. O Incra perdeu o controle da imensa
área, jogando as 16 mil pessoas que lá habitam hoje a toda sorte de
infortúnios.
Sem financiamentos ou assistência técnica, os pequenos agricultores não
conseguem sobreviver da lida no campo. Até traficantes de drogas
arrendam terras por lá. Tem fazendeiro que arrenda até 15 lotes. Para
sobreviver, pelo menos 2.000 famílias de assentados recebem Bolsa
Família, segundo o prefeito de Ponta Porã, Ludimar Novaes (PPS).
A pobreza do campo ganhou ares de favela na área de 400 hectares que o
Incra reservou para ser a vila urbana do assentamento, hoje
administrada pela Associação dos Moradores do Assentamento Itamarati
(Ampai), com 360 famílias, que moram em barracos sem luz, sem água
encanada e com ruas esburacadas. Quase todos ali são invasores, como
diz o presidente da Ampai, José Roberto Roberval Barbosa Leila.
— O problema maior é a falta de apoio do Incra. Estou assentado aqui há
oito anos e só no ano passado consegui um financiamento de R$ 21 mil do
Pronaf. Muitos passam fome, vivem de Bolsa Família ou cestas básicas
dadas pelas igrejas e acabam vendendo os lotes para morar na cidade e
lá trabalhar como ajudante de pedreiro — resume Barbosa Leila.
O Incra promete iniciar este ano, com atraso de três anos, a titulação
das terras, que ainda pertencem à União. Sem documentação, os bancos
não liberam financiamentos. Esse é o caso de José Brasil dos Santos, há
oito anos no lote. Nunca conseguiu financiamentos. — Meu pai pensa em
arrendar a terra. Este ano meu tio plantou milho aqui, o que deu uma
pequena renda, mas só para a gente não passar fome — diz seu filho José
Carlos dos Santos.
MPF denunciou “imobiliária”
Além da dificuldade para a obtenção de empréstimos, o próprio Incra
paralisou a análise de novos projetos no estado há três anos, depois
que o órgão mergulhou numa profunda crise. O ex-superintendente Waldir
Cipriano Nascimento, demitido em agosto de 2010, chegou a ser preso na
“Operação Tellus”, desencadeada pela Polícia Federal e Ministério
Público Federal (MPF) contra a venda de lotes da reforma agrária no Sul
do estado. O desvio apurado no esquema é de R$ 12 milhões. No
Itamarati, o escritório do Incra está inativo há dois anos.
Os que conseguem sobreviver da agricultura e ter renda melhor são os que
se dedicam à produção de gado e leite. Muitos venderam seus lotes.
Estima-se que 1.200 famílias, ou 40% do total assentadas, já
comercializaram lotes, mas o Incra só admite que 550 negociaram as
terras. No fim do ano passado, o MPF denunciou integrantes do que
chamou de uma “imobiliária” que comercializava lotes.
A antiga fazenda Itamarati, transformada no maior assentamento agrário
do país, foi praticamente destruída. Silos e armazéns de grãos estão
apodrecendo. A casa-sede da fazenda hoje é ocupada pelos padres do
assentamento. A prefeitura de Ponta Porã aguarda até o dia em que o
Incra conceda a área para o município. Ali, quer que nasça uma nova
cidade. (O Globo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário