(*) Por Marli Gonçalves –
Deseducação, deselegância, pouco caso, grosserias e mentiras
ditas e repetidas como mantras, acompanhadas de imagens publicitárias,
incentivos ao confronto como turbas enfurecidas. Será a água que
bebemos, o ar que respiramos? Ou é apenas o chão que pisamos, território
nacional?
Corre
na internet uma velha piada, a de que as grávidas e os velhos devem dar
sono porque basta que se aproximem para que todas as pessoas apareçam
dormindo nos ônibus e transportes coletivos. Todos os dias surgem nas
redes sociais postagens muito reais e verdadeiras, várias documentadas
com fotos, com exemplos espantados de enfrentamentos ou de situações
verdadeiramente primitivas, e totalmente deselegantes, como diria a
Annenberg. Problema é que elas estão se avolumando de forma assustadora,
em todos os níveis, e nós não podemos continuar considerando normal
essa situação, porque já seria uma derrota geral.
Surgem imagens de carros parados em vagas exclusivas e seus donos
jovens e fagueiros ou pomposas senhoras ligando os seus foderaizers
particulares, dando de ombro, vários até bem ameaçadores. Surgem
murmúrios, reclamações e constatações sobre pequenos encontros e
esbarrões, e de tanto ouvi-los, chego à conclusão que infelizmente houve
uma morte terrível e não anunciada: as desculpas, o pedido de
desculpas. E sinto ainda informar que se encontram em estado grave as
expressões “com licença”, “obrigado”, “por favor”.
Como ninguém – eu disse ninguém – pode me chamar de careta,
reacionária ou outros adjetivinhos em voga na boca da turba louca, me
divirto muito, porque escrevo mesmo: estamos andando para trás, estamos
regredindo, perdendo o sentido do social, que não é só o que os tais
últimos dez anos de poder político apregoam. Social é convivência,
cidadania, solidariedade, e não é bem o que a gente vê sendo
incentivado, muito menos naquele Brasil engraçado ( que desconheço,
assim como várias pessoas que consultei) que mostraram na tevê no
horário político do PT essa semana. Como tão bem descreveu um amigo, ao
ver a imagem do mapa do Brasil subindo, em relevo, da Terra, saindo para
a órbita celestial, decolando, conforme diz o narrador: “Decolou mesmo.
Está indo para o espaço!”
Pensando no assunto, do ponto de vista social, não político, percebi
que apareceu uma nova e devastadora cultura, à qual chamarei
provisoriamente de cultura BBB, reality show. Aquele bando de brucutus e
brucutuas sem cérebro, querendo vencer a qualquer custo e ganhar uns
trocados e alguns segundos de fama, moralistas, muitos homofóbicos,
fazendo fofocas e intrigas, estabelecendo padrões angustiantes, tanto
estéticos como morais. Nem a nudez mais é pura como devia ser. Nos
vestiários femininos e masculinos de academias assistimos às mais novas
acrobacias, de dar inveja aos contorcionistas! Outro dia me contaram
rindo muito uma cena de um cara que, de tanto medo de ser, digamos,
“comido com os olhos”, se entortou todo para botar uma cueca mais rápido
que a luz, depois de tirar aquela bermuda justinha que os lutadores
usam nos treinos. E olha que estou falando de jovens, ok? Não há mais
flor da pele, apenas nervos aparentes.
Falo de uma guerra urbana na qual vemos todos os dias nos noticiários
os resultados e eles são a cada dia mais cruéis. Bicicletas esmagadas,
bebês esmagados, mulheres esmagadas, animais esmagados. Não tem dia não
tem noite não tem calmaria. Não tem lugar. Aumentam assassinatos,
estupros, professores espancando alunos e vice-versa. Não tem idade, só
brutalidade.
Tente sair com o espírito leve, solto, tralalá,tralálá. Só com sangue
de barata conseguirá voltar para casa sem ter se irritado, sem ter sido
maltratado, ou literalmente pisado pelos transeuntes que agora andam só
de cabeça baixa teclando alucinados seus celulares e dando encontrões
por aí.
Tente passar sozinho por um grupinho de celerados iguais, com seus
risinhos irônicos e comentários entre dentes. Tente esperar que lhe deem
passagem voluntariamente.
Pior, quando o caso requer, tente procurar autoridades para ajudar.
Viraremos todos mosqueteiros ao contrário. Ou empunhando espadas por aí.
São Paulo, SOS, 2013
(*) Marli Gonçalves é jornalista – Tem horas que busca a calma lá nos fundinhos. Da alma.
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