O PANORAMA VISTO DA SERRA

terça-feira, 19 de novembro de 2013

O QUE OS AGRICULTORES QUEREM DE NÓS?

publicado no Ordem Livre
gfs
Talvez você pense que, em uma democracia, quanto maior o número de pessoas que esteja do seu lado numa questão, mais provável seja que as coisas aconteçam do seu jeito. Mas isso não é necessariamente verdade. Como Mancur Olson, Gary Becker e outros apontaram, às vezes na política small is beautiful.
Veja só o caso dos agricultores. Na época em que eles eram em maior número, sua influência política era menor do que hoje, quando representam uma parcela minúscula da população. A razão para esse fenômeno é que não somos uma democracia pura, em que a maioria decide cada questão. Nós somos uma república constitucional. O que é uma coisa boa. Isso evita que as minorias sejam oprimidas pela maioria. Mas também permite que uma minoria explore a maioria.
No caso das políticas agrícolas, a concentração geográfica dos agricultores leva-os a ter mais poder político do que teriam em uma democracia pura. O seu número reduzido facilita uma organização eficiente em levantar fundos e fazer lobby. Nos Estados Unidos, a concentração geográfica significa que em alguns estados o poder político dos fazendeiros é maior. E, por cada estado ter dois senadores, independentemente de seu número de habitantes, os senadores dos estados agrícolas têm uma influência desproporcional sobre os resultados políticos.
Esse é um fenômeno internacional. Os agricultores franceses possuem um poder desproporcional quando comparados aos cidadãos franceses comuns. O mesmo acontece no Japão. Porém, isso não acontece na Índia, onde os agricultores existem em maior número.
O lobby agrícola consegue bilhões de dólares em subsídios. Você poderia pensar que os agricultores ficam constrangidos por receber benefícios do governo, por estar com uma mão no arado e a outra em nossas carteiras. Alguns deles realmente ficam constrangidos. Porém, muitos agricultores tentam manter seu moral alto, ao mesmo tempo em que se inclinam para pegar o dinheiro do contribuinte. No Japão, os agricultores fazem propaganda sobre os riscos do arroz estrangeiro. Isso ajuda a racionalizar o protecionismo que mantém os preços do arroz no Japão bem mais elevados do queos preços no mercado internacional.
Nos Estados Unidos, os agricultores falam da importância que as terras agrícolas têm por si mesmas. Falam sobre a importância de se garantir o fornecimento de alimentos para os americanos. (Ainda assim, de alguma forma, as prateleiras estão sempre cheias de produtos alimentícios que não recebem subsídio.)
Os fazendeiros e seus amigos em Washington conseguem ser bem criativos na busca de razões pelas quais deveriam ser protegidos da competição. O mercado do leite nos Estados Unidos é altamente regulamentado. Essas regulamentações trazem resultados estranhos, como uma ampla diferença nos preços do leite em diferentes Estados, algo que não ocorreria num mercado livre.
Certa vez, eu ouvi um diretor da Northeast Dairy Compact tentar justificar a sua existência em uma audiência no congresso. O Compact é um cartel autorizado pelo congresso americano para proteger os produtores de laticínios do nordeste dos Estados Unidos da competição. Mas como se justifica esse cartel? O leite é diferente de outros produtos, explicou o diretor. Ele é perecível. Mas vários outros produtos também são perecíveis, respondeu um senador. Bem, é mais do que isso, disse o diretor. O leite é volumoso, explicou.
Volumoso? Existem vários outros produtos volumosos que vão muito bem sem o subsídio federal. Mas, mesmo assim, como o leite é volumoso? Ele poderia ter dito que o leite é especial por ser branco. Muito branco. E produtos muito brancos precisam do apoio governamental.
Mas às vezes, você ouve um argumento mais básico. Uma das versões, que pode ser lida em adesivos, diz: “Não reclame dos agricultores de boca cheia.” Eu acho que uma versão mais curta desse adesivo diria: “Não reclame dos agricultores.” Todos nós temos que comer para permanecermos vivos, logo, devemos aos agricultores a nossa existência e deveríamos nos limitar a ter por eles um sentimento de gratidão, e não o contrário.
Os pais tentam um truque similar com seus filhos. “Eu coloquei você no mundo, eu lhe alimentei, eu lhe vesti, então, eu não quero ouvir nenhuma reclamação sobre minhas imperfeições como mãe/pai.”
Existe certa lógica nessa visão quando se trata dos pais. Somente depois de ter um filho você pode ver o que seus pais enfrentaram. Do lado financeiro e material, é uma relação unilateral que raramente será equilibrada – mesmo no fim da vida de nossos pais. Você deve ser grato aos seus pais. Mas isso, claro, não dá aos pais o direito de abusar de uma criança dizendo “olha, eu posso ser cruel e mal intencionado, mas, no fim das contas, você ainda está na vantagem, seu pirralho.”
Uma relação recíproca
Os agricultores não são nossos pais. Minha relação com os agricultores é uma relação recíproca. Eu pago pelo alimento que como. Se os agricultores aparecessem em nossas casas, movidos apenas pela bondade de seus corações e literalmente colocassem comida nas nossas mesas, eu lhes seria muito grato. É isso que os pais fazem. Eles colocam comida na mesa e não esperam receber nada em troca.
Mas os agricultores são pagos pelos alimentos que nos fornecem. Eles não colocam comida em nossas mesas. Eles me vendem os alimentos que eu coloco na mesa. As pessoas plantam por várias razões, inclusive pelo prazer de trabalhar com a terra e a satisfação de produzir um dos produtos essenciais à vida. Porém, é o dinheiro que mantém as pessoas nesse ramo e faz com que elas agüentem as longas horas de trabalho, a incerteza e todos os outros fatores negativos ligados à atividade agrícola.
E, se eu não me engano, os agricultores não estão acorrentados à terra. Eles são livres para deixá-la, como milhões de pessoas fizeram no ultimo século. Em uma sociedade livre, o preço dos alimentos se ajustará para a manutenção no campo de um número de agricultores suficiente para a satisfação da demanda. Os preços produzem renda suficiente aos agricultores para fazer essa atividade tão dura e exigente valer a pena.
Fico feliz por existirem agricultores nos Estados Unidos. É um trabalho difícil. Mas existem vários trabalhos difíceis. Depois de pagar o preço de mercado, eu não devo pagar nada a mais. Posso me sentir grato. O agricultor pode sentir as satisfações desse trabalho, aquelas que vão além do dinheiro. Mas não espero que o agricultor baixe o preço do produto porque gosta do que faz. Eu nunca direi a um agricultor, a um professor ou a um jardineiro: a parte não monetária do seu trabalho é recompensadora, você deveria trabalhar por menos dinheiro. Ou de graça.
E, da mesma forma, eu não espero que um agricultor demande mais dinheiro meu, acima do preço de mercado, só porque comer é essencial para a minha vida.
* Publicado originalmente em 20/06/2008.

Russell Roberts é Ph.D. em economia pela Universidade de Chicago e Professor de economia da Universidade George Mason. Escreve para o blog Cafe Hayek

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