Demorou
um pouco, mas caiu a ficha da imprensa e dos especialistas em direito
para os absurdos a que conduz a liminar do ministro Roberto Barroso, que
chamei aqui, na segunda-feria, de aberração.
Como suspende a sessão absurda em que foi mantido o mandato do
deputado-presidiário Natan Donadon, ficou parecendo coisa boa, mas não
é. No texto cujo link vai acima, demonstro que um senador pode ser
condenado a 30 anos de prisão, cumprir um sexto da pena em regime
fechado, passar para o semiaberto — que também é fechado, não custa
lembrar, mas com a possibilidade de dar uma escapadelas — e ter a
possibilidade de ser parlamentar de dia e presidiário à noite.
Ora, ora,
respondam depressa: SE É PARA NÃO CASSAR O MANDATO DO VALENTE,
RESPONDAM: VOCÊS PREFEREM UM PRESIDIÁRIO NÃO CASSADO QUE VÁ PERMANECER O
TEMPO INTEIRO NA CADEIA OU UM OUTRO QUE TEM A CHANCE DE SER EXCELÊNCIA
DE DIA E PRESIDIÁRIO À NOITE?
Eis uma
das mais vistosas pérolas do direito criativo de que se tem notícia. Não
se trata, e nunca se tratou, de saber quem cassa. Essa é uma falsa
questão. Um juiz pode, no caso de uma condenação criminal, aplicar, por
exemplo, o Artigo 92 do Código Penal. E não há o que a Câmara possa
fazer a não ser declarar o mandato cassado.
Mandou mal
o constitucionalista, ou “neoconstitucionalista”, Barroso em sua
liminar de estreia, que nada ficou a dever a seu voto desastrado no caso
do senador Ivo Cassol (PP-RO), que foi condenado, mas teve o mandato
mantido no Supremo — a questão foi remetida para o Senado. E foi ele
quem liderou esse novo entendimento.
Digam-me
aqui: onde é que está escrito que a cassação é automática se e somente
se a pena a ser cumprida em regime fechado implicar um número tal de
faltas que ele será cassado por ausências não justificadas? Isso é só
feitiçaria aritmética. Antes, então, que se chegue ao máximo permitido,
como fazer a cassação?
Um trecho
Em sua liminar, Barroso escreve algo que chamou a minha atenção, com o que, diga-se, concordo quase inteiramente. Tentando explicar por que acha que cabe ao plenário da Câmara e do Senado cassar o mandato de parlamentares condenados, afirmou que se apegou à letra da lei. Já demonstrei aqui, como diria o Lula de antigamente (a falso puro), que é “menas” verdade. Mas vá lá. Leiam o que escreveu:
Em sua liminar, Barroso escreve algo que chamou a minha atenção, com o que, diga-se, concordo quase inteiramente. Tentando explicar por que acha que cabe ao plenário da Câmara e do Senado cassar o mandato de parlamentares condenados, afirmou que se apegou à letra da lei. Já demonstrei aqui, como diria o Lula de antigamente (a falso puro), que é “menas” verdade. Mas vá lá. Leiam o que escreveu:
“A
interpretação semântica, também referida como gramatical, literal ou
filológica, é o ponto de partida do intérprete, sempre que exista uma
norma expressa acerca da matéria que lhe caiba resolver. Embora,
naturalmente, o espírito e os fins da norma sejam mais importantes que a
sua literalidade, é fora de dúvida que o sentido mínimo e máximo das
palavras figuram como limites à atuação criativa do intérprete. Do
contrário, a linguagem perderia a capacidade de comunicar ideias e se
transformaria em mero joguete a serviço de qualquer objetivo.”
Comento
Por que concordo “quase inteiramente”? Acho que o espírito e os fins da norma são tão importantes quanto a sua literalidade, não mais importante. Questão de rigor, acho eu: até para que se chegue ao real espírito e ao real fim, é fundamental saber o que está escrito, porque é esse escrito que buscava aquele fim e aquele espírito, certo? Esses dois não existiam no éter. Ancoravam-se numa base material: as palavras.
Por que concordo “quase inteiramente”? Acho que o espírito e os fins da norma são tão importantes quanto a sua literalidade, não mais importante. Questão de rigor, acho eu: até para que se chegue ao real espírito e ao real fim, é fundamental saber o que está escrito, porque é esse escrito que buscava aquele fim e aquele espírito, certo? Esses dois não existiam no éter. Ancoravam-se numa base material: as palavras.
E concordo
inteiramente com o ministro quando diz que o “sentido mínimo” e o
“sentido máximo” de tais palavras devem ser o limite do intérprete, ou
qualquer coisa passa a ser possível. É por isso que, sem entrar no
mérito (não neste texto) da decisão, acho impressionante que tenha sido
ele a patrocinar a causa da união civil de parceiros do mesmo sexo. Por
quê? O que está escrito no Artigo 226 da Constituição? Isto:
“§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
“§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
É com base
no “sentido mínimo” ou no “sentido máximo” das palavras que, onde se lê
“homem e mulher”, também se pode ler “homem e homem” e “mulher e
mulher”?
Os
“neoconstitucionalistas” de maneira geral precisam tomar cuidado para
que a sua interpretação do texto constitucional e das leis não seja de
tal maneira “nova” e “criativa” que acabe indo além da banda superior, o
sentido máximo, ou da banda inferior, o sentido mínimo, das palavras.
Se isso acontece, uma corte de justiça se transforma num campo de
confrontos meramente ideológicos e idiossincrasias.
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