Casal de Lucas do Rio Verde aplicou 15.000 reais na TelexFree e nunca mais viu o dinheiro - Ivan Pacheco
Lucas do Rio Verde, no norte do Mato Grosso, é uma cidade tomada pela
ansiedade. Seus 45 000 habitantes poderiam estar usufruindo da riqueza
produzida por uma década próspera de agronegócio. Em vez disso, aguardam
o desenrolar da investigação que, no último mês, resultou no bloqueio
dos bens das empresas BBom e TelexFree, suspeitas de ter implantado
portentosos esquemas de
pirâmide financeira.
No país inteiro, estima-se que mais de 1,3 milhão de pessoas tenham
investido suas economias nesses dois negócios que, tudo indica, usavam a
venda de produtos como rastreadores de veículos e pacotes de telefonia
para encobrir uma falcatrua. Só os sócios da TelexFree tiveram mais de 6
bilhões de reais congelados. Ou seja, os moradores de Lucas do Rio
Verde não foram os únicos a embarcar na provável armação. Mas, na
cidade, é possível observar de maneira dramática os efeitos do caso. Não
apenas aqueles que "investiram" sentiram o baque. “A economia local
quase parou depois do bloqueio. Tudo enfraqueceu como não se via há
muito tempo”, conta a promotora do Ministério Público Estadual do Mato
Grosso Fernanda Pawelec, uma das primeiras a investigar a atuação dessas
companhias no país, em janeiro de 2013. Vendedores do comércio
varejista ouvidos pela reportagem se mostraram desolados. “O último mês
foi muito difícil. Quase ninguém compra. Não há dinheiro circulando”,
disse a gerente de uma rede varejista local. Como quase todas as pessoas
abordadas na cidade, ela preferiu não ter seu nome associado à
história.
Há indicadores contundentes da maneira como as pessoas se envolveram
nos negócios de TelexFree e BBom. Segundo funcionários da Caixa
Econômica Federal ouvidos pelo site de VEJA em Lucas do Rio Verde, o
volume de depósitos na poupança caiu 30% no auge da euforia com o
esquema, e não se recuperou. Muitas pessoas, além disso, comprometeram
todo o salário em diferentes bancos, levantando dinheiro em empréstimos
consignados para aplicar nas empresas que, em tese, lhes dariam um
retorno extraordinário. O número de empréstimos continua alto. "Mas
parece que agora as pessoas estão pegando dinheiro para rolar outros
compromissos", diz um funcionário da Caixa.
Movimentos anormais também foram sentidos no mercado imobiliário. “As
pessoas vendiam casa, terreno, comércio para investir. Agora, tem gente
vendendo imóveis para pagar as dívidas”, contou José Valdemar Kluge,
dono da imobiliária Dinâmica, uma das maiores da cidade.
Lucas do Rio Verde não é uma cidade pobre. Multinacionais como BR Foods
e Cargill dividem espaço com grandes produtores agrícolas. O prefeito
Otaviano Pivetta (PDT), de tradicional casta de políticos
mato-grossenses, também é presidente da Vanguarda, uma gigante do
agronegócio. Ele foi considerado, em 2012, o prefeito mais rico do
Brasil, com patrimônio declarado de 321 milhões de reais. Segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto
Interno Bruto (PIB) per capita da cidade em 2010 chegava a 36.000 reais –
maior que o de Rio de Janeiro e Curitiba e um pouco abaixo dos 39.000
reais de São Paulo. O avanço da renda se reflete no tamanho do
investimento feito nas pirâmides. “Houve gente que investiu 600 000
reais na TelexFree na cidade”, diz um empresário. Segundo ele, o patamar
mínimo de aportes dos moradores na TelexFree era de 3.000 reais. “Os
ricos podem ficar frustrados, não sentem tanto a perda do dinheiro. Os
pobres, sim. Muitos estão até sem casa”, afirmou.
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