Gilmar Mendes afirma que presidente Dilma deveria ter ouvido outros poderes e que plebiscito para reforma política é temerário
A
reforma política feita por meio de um plebiscito é temerária e de
"difícil exequibilidade", diz o ministro Gilmar Mendes, do Supremo
Tribunal Federal. Para ele, a presidente Dilma Rousseff deveria ter
ouvido mais os chefes dos outros Poderes e líderes políticos antes de
lançar a ideia.
"Acredito até que isso evitasse alguns equívocos na própria abordagem das propostas", afirma Gilmar em entrevista à Folha e ao UOL, empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha.
"Tenho
dúvida sobre que perguntas serão dirigidas à população. Por exemplo:
vai se adotar o sistema alemão misto distrital e proporcional? A
população saberá distinguir?", indaga.
Para ele, a proposta de convocar uma constituinte exclusiva foi um "erro rotundo" e "extremamente grave".
Segundo
o ministro, alguns itens da reforma política podem ser tratados por
meio de lei, sem alteração da Constituição. Sobre como o Poder
Judiciário deve responder aos protestos de rua, Mendes cita o caso da
prisão do deputado federal Natan Donadon (ex-PMDB-RO), decretada na
semana passada pelo STF.
Leia a seguir, trechos da entrevista do ministro concedida na quinta-feira.
Folha/UOL - O STF e o Poder Judiciário também são alvos dos protestos de rua?
*Gilmar Mende*s - Todo poder constituído está tendo a atenção chamada por causa dos protestos.
No
Judiciário, temos uma grande falha no sistema de justiça criminal: a
toda hora noticiamos que um evento como o do Carandiru foi julgado 20
anos depois. A resposta pode se dar no plano jurisprudencial.
Como assim?
Podemos tanto dizer que a partir do segundo grau já pode ocorrer a prisão se o juiz e o tribunal assim avaliarem.
Sem emenda constitucional?
Não
é necessário fazer uma emenda. Ontem [quarta-feira passada], nós
tivemos o caso de um deputado de Rondônia [Natan Donandon, ex-PMDB,
condenado em 2010 a 13 anos de prisão] já nos segundos embargos de
declaração.
O Supremo poderia ter mandado prender antes?
É um aprendizado. No futuro, teremos que expedir logo a ordem de prisão e não esperar embargos de declaração.
No caso do mensalão, qual é o prazo para terminar o caso?
Tenho a expectativa de que encaminhemos esse assunto agora no segundo semestre. Muitos colegas estão imbuídos desse propósito.
Há ainda embargos infringentes. O STF deve aceitá-los?
Temos que discutir essa questão. Sou crítico dessa possibilidade. Vamos examinar os argumentos.
O Poder Executivo fez propostas por causa das manifestações de rua. O Poder Judiciário deveria ter sido ouvido?
Considerando
a complexidade das propostas, todos os setores que têm responsabilidade
institucional teriam que ser ouvidos previamente. Acredito até que isso
evitasse alguns equívocos na própria abordagem das propostas.
Quais equívocos?
Já
na apresentação havia quase que impulsos. Por exemplo, no que diz
respeito ao combate à corrupção. "Ah, transformar em crime hediondo..."
Em que isso resulta? No que diz respeito ao tema do processo
constituinte, como foi chamado, a partir de um plebiscito, esse erro é
rotundo, extremamente grave.
A presidente já recuou sobre uma constituinte...
Até
porque ela não pode. O Congresso não pode. O Supremo não pode. Não há
espaço para isso. Mas esse erro poderia ter sido evitado.
Por que a presidente fez isso?
Não
tenho condições de avaliar. Certamente atribuiu gravidade aos
movimentos e foi aconselhada a dar uma resposta. Mas, para problemas
complexos, às vezes, há soluções simples... E erradas. E esse foi o
caso.
E o plebiscito para fazer a reforma política?
Tenho
dúvida sobre que perguntas serão dirigidas à população, que terá de
decidir sobre temas que têm perfil bastante técnico. Por exemplo: vai se
adotar no Brasil o sistema alemão misto distrital e proporcional? A
população saberá distinguir? Quando essa resposta vier, o Congresso vai
executar como?
O plebiscito é temerário?
Parece
que sim. É de difícil exequibilidade. Nós estamos vivendo um momento
muito peculiar. Descuidamos de questões importantes na esfera
administrativa e corremos para eventualmente dar atenção a temas que até
agora não foram tratados.
Como assim?
A questão da reforma política sempre esteve na agenda. Mas os próprios governos tiveram muita dificuldade de gerenciá-la.
Neste
momento de crise, talvez fosse o caso de ter chamado o presidente da
Câmara, do Senado, do Supremo, do Tribunal Superior Eleitoral, as
lideranças partidárias para dizer: nós precisamos priorizar a reforma
política.
O que achou dos cinco pactos sugeridos pela presidente?
A
iniciativa política é importante. É importante que haja a discussão.
Hoje, estamos atrasados no pacto federativo. Se olharmos 1988 e agora,
vemos o quê? A União concentrando recursos. Os Estados e os municípios
estão muito mais débeis.
Quem deve liderar o processo sobre o pacto federativo?
O
Senado e os governadores. Mas temos impasses. Sobre o FPE [Fundo de
Participação dos Estados], guerra fiscal, royalties do petróleo. Três
temas que estão ligados à questão federativa. E o governo federal não
contribui para o desate.
O governo federal fica omisso?
Fica
omisso. Veja que os Estados estão no Supremo Tribunal Federal
impugnando a lei que fixou o piso salarial para os professores, dizendo
que eles não têm condições de pagar. Há algo de patológico nesse modelo.
Esse problema tem a ver com o Palácio do Planalto?
Nessa
questão dos professores talvez tenha havido um certo voluntarismo por
parte do Executivo para aprovar um piso salarial. Acabou-se produzindo
uma distorção. Faltou gradação, faltou medida política. E faltou
político nessa história. O que prova que quando o Executivo se engaja,
ele aprova. Tem sido a rotina. Por isso, falar que o Congresso está em
débito também tem de ser visto "cum grano salis" [com certa reserva].
Muitas vezes, essa omissão decorre da falta de articulação por parte do
próprio Executivo, que tem hoje o mais amplo apoio que já se formou
nesses últimos anos.
O Poder Executivo teria de...
...Arbitrar essas relações com competência, com método, com racionalidade.
Joaquim Barbosa [presidente do STF] defendeu candidaturas avulsas. O sr. é a favor dessa medida?
Não
devemos enfraquecer os partidos políticos. Devemos fortalecer os
partidos, a sua democracia interna e evitar que grupos oligárquicos
tomem conta deles. Os partidos políticos continuam a ser mediadores
dessa relação entre o indivíduo e o Estado.
Em
2006, o STF declarou inconstitucional a cláusula de desempenho. Seria
possível introduzir esse conceito por meio de lei ou é necessário mudar a
Constituição?
Pode
ser por lei. Temos um problema nesse modelo proporcional com coligação.
Tanto que uma das discussões óbvias seria simplesmente suprimir a
possibilidade de coligação. Com isso, haveria enxugamento das siglas
partidárias no âmbito do Congresso Nacional.
A reforma política deve ser ampla ou gradual?
Nós
estamos tentando consertar o avião em pleno voo. Os atores estão
participando da vida política. Fazendo os seus cálculos: qual é o
sistema eleitoral mais adequado para a minha agremiação, para o meu
partido?
Na
experiência constitucional de outros países, essas reformas são feitas
de forma gradual, com modelo de transição, de implementação deferida no
tempo. É preciso que nós levemos isso em conta. Quando se diz "ah, agora
nós vamos reformar o mundo de uma vez por todas", a gente já começa a
errar.
01 de julho de 2013
FERNANDO RODRIGUES - Folha de São Paulo
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