Do Ucho.Info
Relações
perigosas – A extensão da coleta de dados da Agência Nacional de
Segurança (NSA) é como uma mania de Washington – amigos seriam
espionados como inimigos. E a fonte de toda essa informação tem menos de
dez anos de existência, mas já se infiltrou em quase todas as esferas
da nossa vida: as mídias sociais.
A fronteira entre a privacidade e a coleta de dados é estreita e –
como foi provado – permeável. Em maio, o “The New York Times” noticiou
que, em 2010, Max Kelly, ex-chefe de segurança do Facebook, trocou seu
emprego na empresa por um na NSA, uma das mais obscuras agências
federais norte-americanas, responsável por operações secretas de
espionagem digital.
A mudança do chefe de segurança da maior plataforma mundial de mídia
social para um cargo público aconteceu apenas alguns meses depois que a
NSA passou a acessar os dados do Facebook através do programa de
vigilância de dados Prism. A troca de emprego de Kelly permaneceu
secreta durante três anos – e mostra claramente a proximidade das
relações entre o serviço de inteligência dos EUA e as redes sociais.
“O Vale do Silício possui algo que o serviço secreto precisa: uma
enorme quantidade de dados pessoais e os mais sofisticados softwares
existentes para analisá-los”, escreve o “The New York Times”.
No crescente mercado de análise de dados, a NSA é um dos maiores
clientes do polo de Tecnologia de Informação (TI). E, como lembra o NYT,
a agência federal se transformou num investidor de capital de risco,
tendo aplicado parte de seu orçamento (estimado em 6 bilhões de dólares)
em startups do Vale do Silício.
Cooperação sigilosa
As agências de inteligência estatais sempre correram atrás de dados e
informações e as empresas de TI já vendem há bastante tempo sua
expertise e equipamentos ao governo dos Estados Unidos. No entanto, os
dados de clientes são cada vez mais importantes para empresas comerciais
e o marketing de seus consumidores. Um lado precisa de informações, o
outro visa ao lucro. Junto aos rápidos avanços na tecnologia de
armazenamento de dados, isso cria condições perfeitas para uma
cooperação benéfica para ambos os lados.
“Comerciantes online dos EUA possuem coleções abrangentes de dados
personalizados, assim como a aparelhagem relacionada ao público alvo,
eles podem coletar dados quase o dia todo e nos acessar”, explica
Jeffrey Chester, diretor da ONG Centro de Democracia Digital, em
Washington. “Não é que fornecemos voluntariamente os dados. O debate
sobre o programa Prism deveria se concentrar no crescimento dos impérios
de dados comerciais, que não têm de dar satisfação a ninguém e
concentram as tecnologias necessárias que possibilitam tais ações”.
Para Chester, a ligação entre as mídias sociais e as autoridades
governamentais não é algo novo. “Entre as empresas de telefonia e as
agências do governo sempre houve uma porta de comunicação”, diz o
ativista. “Empresas como Google e Yahoo procuram ativamente encomendas
do Departamento de Defesa”.
Chester afirma ser preocupante que a NSA tenha recrutado alguém do
alto escalão do Facebook. “A NSA apenas copia o que as mídias sociais já
fazem com sua vigilância”. O Facebook e seus parceiros, prossegue o
ativista, afirmam que a rede social seria um meio de capacitação, mas a
rede “também é usada em grande escala para o extenso controle político e
social”.
A extensão total da cooperação da NSA com as mídias sociais continua a
ser um mistério. No entanto, as possibilidades tecnológicas das redes
são bastante conhecidas.
“Elas apreendem a real posição geográfica e a história. Os serviços
online estão ávidos por expandir ainda mais o acesso às informações de
usuários”, diz o diretor da ONG em Washington. “Eles instalaram
‘centrais de comando’ para controlar e analisar as redes sociais.”
Simon Weiss, do Partido Pirata alemão, vê uma necessidade urgente de
mais transparência sobre a relação das mídias sociais com agências
governamentais. “Mas sem informação pública, podemos somente especular
sobre a extensão e a exata natureza da cooperação”, pondera. “Por meio
do último ‘relatório sobre transparência’ do Google, sabemos que o
número de pedidos de informações às redes sociais por parte de agências
governamentais aumenta constantemente.”
Quantas vezes determinados dados são acessados e em que base são
informações que deveriam ser fundamentadas em informações fornecidas
voluntariamente pelas empresas de internet, alerta Weiss. “As
autoridades competentes devem ser obrigadas a comunicar algo assim ao
público”.
Necessidade de reestruturação
Também para Carl Miller, diretor de pesquisa do Centro de Análise da
Mídia Social do “think tank” britânico Demos, as revelações sobre Max
Kelly realmente não surpreenderam. Ele diz que o conhecimento para poder
utilizar as tecnologias de análise de dados a fim de compreender as
mídias sociais não está mais centrado no governo.
“Nós descobrimos que deveria haver uma estrutura que permitisse ao
governo acessar esse conhecimento no lugar onde ela está mais
concentrada – no setor privado”, afirma.
No entanto, como foi mostrado pelas revelações de Snowden, existe uma
grande diferença entre aquilo que realmente acontece e o que é dito ao
público. As redes sociais gostam de afirmar que só entregam informações
às agências governamentais quando são obrigadas por lei a fazê-lo. Na
verdade, segundo o “The New York Times”, as próprias redes sociais
também tomam a iniciativa. Elas criam equipe de especialistas próprias
com a tarefa de descobrir como os dados podem ficar ainda mais
acessíveis às agências do governo.
Os programas de vigilância em si não seriam o problema, mas sim o
sigilo em torno deles, afirma Miller. Até pouco tempo, Prism e Tempora
eram desconhecidos. As redes sociais e os serviços de inteligência
poderiam ser muito úteis para a segurança pública, mas tudo deveria
ocorrer num contexto público, explicou o diretor de pesquisa. “Em muitos
casos, tem-se a impressão de que isso acontece sem o conhecimento e
consentimento da sociedade, e isso é motivo de preocupação.”
Para Miller, a razão pela qual as forças de segurança estão tão
ansiosas em se apossar de dados das redes sociais é óbvia. Ele lembra
que transferiu-se a completa vida social para essas plataformas: “Todas
as coisas boas como a cooperação, a colaboração, debates, mais também os
lados ilegais e problemáticos.” As autoridades deveriam pensar em algo
para garantir a segurança, adverte Miller, pois as redes sociais
facilitam a vida de criminosos e estão se tornando cada vez mais um
espaço da criminalidade.
“Talvez precisemos de algo excepcionalmente democrático, algo como
uma banca de jurados, onde, por exemplo, 50 pessoas escolhidas
aleatoriamente, que são posteriormente avaliadas, decidem em nosso nome
durante seis meses se os passos que estão sendo tomados são adequados e
necessários”, sugere. (Deutsche Welle)
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