Míriam Leitão, O Globo
A ideia inicial do
governo era, no Dia Nacional de Lutas, mostrar que ainda tem controle
sobre as ruas, através das centrais sindicais que, direta ou
indiretamente, estão ligadas a ele. Mas o balanço é melancólico. Houve
confusão, mas não adesão popular. Não foi uma demonstração de força do
trabalhismo oficial, e vários lemas foram até hostis ao governo.
O
governo pensou que estrelas seriam lustradas, bandeiras, sacudidas, e o
PT e os partidos da coalizão governamental exibiriam controle
majoritário no movimento social organizado. Mas foi uma manifestação bem
mais vazia do que imaginaram, e os interesses defendidos foram
diversificados.
Os médicos que protestaram mostraram sua
discordância em relação às últimas propostas para o setor, como a
contratação de médicos estrangeiros e os dois anos obrigatórios de
serviço ao SUS.
Os professores querem mais dinheiro para educação.
Os portuários querem aumento salarial e reivindicam pontos que não
foram contemplados na Lei dos Portos.
Houve bandeiras diversas,
nenhuma defendendo o governo da posição enfraquecida em que se encontra.
Não foi o que Brasília sonhou que fosse, no primeiro momento.
As
próprias centrais sindicais, mesmo todas juntas, como CUT, CGT, Força
Sindical, entre outras menos votadas e representativas, mostraram que
não conseguiram fazer sombra à força da participação espontânea, quando
ela irrompeu em junho.
O movimento, quando aconteceu, deixou as
centrais confusas. Achavam que tinham o monopólio de levar manifestantes
para as ruas e foram surpreendidas. O movimento de ontem foi convocado
para mostrar que elas ainda sabem como encher avenidas com seus
seguidores.
O que mais impressionou no Dia Nacional de Lutas foi o
uso abusivo do que é cada vez mais comum nos últimos tempos: bloqueio
de rodovia como ato de protesto. Isso, seja qual for o motivo da
reivindicação, cria uma série de problemas para o país, limita o direito
de ir e vir, afeta o escoamento do abastecimento de produtos, que é
majoritariamente rodoviário. E, como se viu ontem, virou a forma mais
comum de protesto.
Várias categorias têm antigas reivindicações e
ontem foram falar dessas lutas específicas, algumas com maior ou menor
grau de viabilidade. As Centrais apresentaram o que as tem unido há
muito tempo: fim do fator previdenciário e a redução da jornada sem
redução do salário, fim da terceirização.
Ficando em apenas uma
dessas bandeiras: o fator previdenciário foi uma solução temporária,
enquanto o governo não conseguia fazer uma reforma da previdência que
torne toda essa questão mais racional.
Os brasileiros têm uma
expectativa de vida maior, mas relutam em seguir o que acontece em
outros países do mundo, que é adiar a aposentadoria e estabelecer a
idade mínima.
O fator previdenciário foi uma gambiarra feita para
contornar essa incapacidade. Deveria terminar, desde que o país, antes,
mudasse a previdência. Mas até uma pequena e justa mudança que foi
defendida tempos atrás já está arquivada: a de que viúvas jovens não
herdem o valor integral da aposentadoria, principalmente na Previdência
Pública.
Nos outros países, isso é diferenciado: o percentual do
que herdam depende da idade, de ter ou não filhos pequenos, do nível de
renda.
Do jeito que é no Brasil, tem se multiplicado o caso de
idosos que deixam sua aposentadoria para pessoas mais jovens através de
vários estratagemas.
O déficit previdenciário já é alto demais, a
população está envelhecendo. Nos outros países, já foram abolidas regras
que aprofundam o déficit no Brasil.
Até a mais governista das
centrais, a CUT, tinha críticas a fazer. As críticas foram ao Banco
Central e à elevação dos juros, que definiram como uma “excrescência”.
O
Dia Nacional de Lutas acabou sendo um mosaico de reivindicações —
algumas justas, outras inviáveis, algumas corporativas, outras
ideológicas — mas não foi demonstração de força do governo sobre o
movimento social organizado. Não foi sequer demonstração de força das
centrais sindicais sobre os trabalhadores.
Houve adesão, o dia
esteve longe de ser normal, trabalhadores foram para as ruas, muitas
categorias se manifestaram, mas a mobilização esteve abaixo do que os
próprios sindicatos tinham imaginado. Enquanto isso, o governo continua
enrolado na sua incapacidade de dar uma resposta à insatisfação que
espontaneamente apareceu nas ruas de junho.
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